Tiago Rocha, 1993
Frango com caril ou guisado de vitela com cerveja preta. O Tiago hesita entre estas duas opções quando lhe pergunto qual o prato que sabe cozinhar melhor. “Também adoro comida italiana”, afirma, descrevendo-me ainda outras iguarias. Jantei há pouco, mas fico com água na boca. “Com comida, não sou esquisito”, confessa. Não, Tiago Rocha não é um promissor chef (talvez um dia). Para ele, a gastronomia é apenas um hobby. Partilha com o pai essa paixão. Em relação a vinho, admite não ser grande especialista. Bebe, com prazer, mas não guarda na memória muitas garrafas. O pai é diferente: preocupa-se com harmonizações, escolhe o vinho com cuidado em função do que está na mesa.
Já não estava com o Tiago há quase um ano. Após concluir a licenciatura em Psicologia, ele não quis continuar o mestrado. Acabou por fazer um curso de programação (web development) e gostou muito. Entretanto não mais estivemos juntos e eu poucas novidades sabia. Conta-me, agora, que está a trabalhar em Braga como web designer. Gosta do que faz, diz ser uma actividade que estimula a sua criatividade. Como tal, num futuro próximo, espera ingressar num curso superior de Ciências da Computação, pedindo estatuto de trabalhador-estudante.
Estamos a beber uma garrafa de Implicit 2014, um branco alentejano de castas pouco comuns na região: Alvarinho (50%), Viognier e Roussanne. Sinto que o Tiago o aprecia. Bebemos devagar, mas falamos muito depressa. Há tantas novidades, memórias. Recordamos a viagem de finalistas a Florença, no 12º ano. E estamos de acordo em relação ao vinho: é, realmente, um excelente catalisador. Em cima da mesa, paira (coincidência) um texto de Agamben: “L’amico”. Falo-lhe de filosofia contemporânea e volto a Platão: um excerto de O Banquete. Ele fala-me de psicologia, de memórias. E do futuro. Ouço com fascínio e terror o que ele me conta em relação aos mais recentes desenvolvimentos da Inteligência Artificial. Debatemos alguns conceitos importantes: desresponsabilização, tecnologia, entretenimento. A garrafa dura, prolonga-se na mesa enquanto discutimos os problemas da democracia. A dada altura, o Tiago tem um lapso delicioso e diz a palavra “burocracia” no lugar de “democracia”. Freud sorri. Eu também.
Já não estávamos juntos há quase um ano. Mas essa distância é recuperável. Às vezes um ano pode durar apenas uma garrafa de vinho. Pois é, são quase duas da manhã. E o Tiago só consegue arranjar um táxi para casa à terceira chamada.